História de Anônima
Deveria ser a décima ou vigésima vez naquela noite que
repetia a mesma frase: “Hoje eu não vou sair”. Era uma mentira, porque o
celular já estava entre os meus dedos digitando mensagens com um tal de “não
sei”, “vamos ver”, ao invés de um belo “Não” para os convites daquele dia.
Bem, isso não é importante. Na verdade, nada era. Onde ir,
com quem ir e como ir, nunca foram grandes importâncias. Eu só não queria ficar
sozinha, por mais que insistisse que não podia ficar em meio a tanta gente. Tem
dias que precisamos só da nossa dose, e por mais que eu insistisse que era esse
o meu dia, não conseguia respeitá-lo.
Não sou o tipo de garota que não se envolve. Mas já estava
cansada de ser o outro tipo. Sempre levando um balde frio na cabeça quando o
assunto era pegar fogo por alguém. Gostar de alguém era muito fácil, nos
primeiros dez minutos, depois disso era só mais uma pessoa como todas as
outras. E nada tinha a ver com cativar e tornar-se única entre tantas outras
mil.
Meia-noite, mais que isso. Sozinha, esperando os amigos
chegarem. Não sou muito paciente, nem dependo das pessoas. Quando decidi que
iria, já estava na porta daquela boate, só não queria entrar sozinha, então me
mantive ali, a espera. Na minha impaciência, isso nunca seria admissível, mas
eu estava me burlando toda nesse dia. Não havia entendido o porquê, mas nesse
instante, o meu desejo por me contrariar, colocou-me onde eu devia estar.
Meu gosto, sobre os caras, não é muito diferente das outras
pessoas. Mas eu tenho aquelas características que só fazem parte do meu gostar.
Um andar mais duro, a camiseta mais comprida e o boné escondendo os olhos. Isso
é um tipo que chamaria minha atenção. Gosto de pulseiras, gosto de colares,
gosto de tênis alto e de quem chama a minha atenção sem fazer esforço algum.
Gosto de olhar incisivo, barba e olhos castanhos.
Ele, sendo uma pessoa como tantas outras, apenas chegou com
seus amigos e entrou no lugar. Minha ansiedade começou a gritar para eu não
esperar por mais ninguém. Mas esperei. Contrariar-me estava dando certo até
neste momento, porque não continuar assim? Os amigos chegaram logo em seguida,
alguns minutos depois, estávamos dançando sob aquelas luzes e ouvindo aquelas
músicas de sempre.
Ele me olhou. Eu desviei o olhar. Eu o olhei, ele desviou o
olhar.
A timidez é uma grande idiotice as vezes. Já se passaram
algumas horas, e ninguém tinha coragem de dizer um “oi”. Meus amigos
insistiam que eu deveria toma a atitude. Nunca. Não sou o tipo de garota que
sabe o que dizer. Eu mal consigo completar as minhas próprias frases em uma
conversa segura. Imagine, isso seria um absurdo. Ele deveria fazer isso. Eu já
o tinha visto primeiro, era a vez dele falar por primeiro.
Garoto estúpido. Não olhava em meus olhos, mas tinha coragem
de sentar-se diante de mim e não dizer nada. Na roda, entre meus amigos, o
comentário era o mesmo “ele está olhando para você”. Eu nem acreditava nisso,
nossos olhos nem se esbarravam. Até aquele momento, quando, distraída,
peguei-me olhando para ele enquanto minha amiga dizia algo sobre o mesmo. E lá
estava, belos castanho mirando para esses verde clichê que eram os meus.
Eu não iria falar com ele. Não mesmo. Só que lá estava eu, a
garota que resolveu se contrariar nesse dia. Avancei um passo, dois e três.
Logo estava diante dele, ele ainda sentado, olhando em seu celular. Eu disse o
primeiro “oi”. Ele estremeceu, eu vi quando o celular quase escorregou entre
seus dedos. Olhou-me nos olhos, e respondeu com um sorriso. Aproximou-se e
perguntou meu nome. Logo eu já sabia o dele, e seus gostos, e os lugares onde
viajou, ele gostava de ler, e eu sempre fui uma poesia mal terminada precisando
ser compreendida.
Passaram-se alguns minutos, logo já eram mais de dez, ele
continuava interessante. Passaram-se alguns dias, depois meses. E ele continuou
interessante. Eu disse para mim mesma que nunca mais me apaixonaria, nunca mais
me entregaria, nem acreditaria em qualquer palpitação boba dentro do meu peito.
Contrariei-me, mais uma vez, aqui estou agora.
Ele não precisava disso. Eu também não. Mas um dia prometemos que o importante, depois de nos cativarmos, é que se um dia fosse de lágrimas, as memórias nos valeriam a "cor do trigo". Depois de tanta água fria, decidimos que o contrário faria parte de nossas vidas. O medo, virou coragem, as lágrimas, sorrisos. E as noites frias sozinha, tornaram-se boa companhia quente de madrugada. O que nunca deu certo, passou a fazer sentido. E o que nunca fez sentido, passou a dar certo.
Os pequenos olhos castanhos me tinham, antes mesmo de saber quem eu era.
Eu era a dança dele, antes mesmo de saber que minha poesia também era música.
E isso, eu aprendi com uma raposa, é o essencial que os olhos nunca puderam ver.
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