Eu não vou te beijar
Olha, eu não sou como os outros caras, então vamos fazer
isso de um jeito que não te assuste e não me incomode. Primeiramente, eu não
vou te beijar, não ainda. Não é desse jeito que se joga. Deixe-me te levar em
meio a minha canção, então você me diz se quer ou não dançar comigo.
Eu já me apaixonei muito. Só nesse momento em que estive com
você, apaixonei-me pelo menos umas cinco vezes e todas elas pela mesma pessoa.
Talvez fosse o jeito de falar ou a forma como coloca tudo nessa piada que você faz
da vida, talvez o meu apaixonar esteja preso nas coisas que você não mostra
para os outros quando fala, mas no que a gente consegue ver quando você se
cala. Meu apaixonar está preso em muitos detalhes de você, e nesse momento, por
lembrar disso, já me apaixonei novamente.
Mas como eu já disse, eu não vou te beijar. Neste momento
tem um livro sobre a minha cama, e o título diz para eu fazer amor e não fazer
jogo, claro, como se as coisas fossem simples assim. Não quero jogar com você.
Mas não entenda dessa forma, é que cheguei numa fase que a vida pede por jogos.
O não beijar é jogo, o não segurar a mão é jogo, o não telefonar também é jogo.
Só o que não é jogo é o se apaixonar, isso está fora das regras.
As regras deixam claro que aquele que se apaixonar primeiro
é quem vai perder. Então para evitar que percamos esse jogo, vou começar pelo
recesso de beijos e toques que possam nos levar a voar mais alto do que o
necessário. Vamos tentar apenas a conversa, o riso frouxo depois da piada, e os
olhos que se evitam muito mais do que deveriam.
Olha, eu não sou como os outros caras. Não estou aqui porque
você é um retrato bonito que eu adoraria ter na minha estante. Muitos menos me
importo com a sua altura. Eu gosto é da cor dos olhos, não aquela que a gente
vê numa fotografia, mas aquela que fica sob o brilho deles quando você ouve um
elogio dito alto pela minha voz.
Eu gostaria muito de ter um beijo seu. Mas eu não vou te
beijar. Porque ainda nem pude segurar as suas mãos, muito menos consegui
desmanchar o seu cabelo tão arrumado e preto. Eu gosto deles assim, como se
estivessem prontos para fugirem de sua cabeça, mas acabam se tornando uma
desordem tão bem feita em você. Eu nem consegui olhar pra você mais de três
segundos sem me sentir nervoso com a situação, e olha que estou velho demais
pra isso.
Eu sempre sou o cara que se apaixona demais. Aquele que
desenha as linhas redondas enquanto ainda estão fazendo o primeiro traço da
imagem. Mas é que no sentimento, não se pode começar pela parte fácil, isso
torna tudo superficial, e não tem como ser superficial no gostar de alguém.
Lembra que eu disse que estou na fase onde tudo é jogo? Também estou na fase
onde eu queria que alguém provasse que estou errado.
Olha, eu não sou como os outros caras. Talvez eu seja,
porque agora decidi te beijar. E talvez eu seja porque estou jogando enquanto
deveria apenas te amar. Sei que não quero ser como os outros caras, e não estou
falando daqueles que fazem tudo errado, estou falando daqueles que acertam,
daquele que não temem. É tudo sobre este tipo de caras, o tipo que não sou.
Sou aquele que erra porque se apaixonou primeiro. Aquele que
joga porque estão ditando as regras. Eu sou o cara que quer te levar em meio a
minha canção, na esperança que você diga que gosta de dançar comigo. O cara que
não te beija porque isso implicaria em agir como aqueles que fazem o certo, que
fazem o que deve ser feito.
E mesmo que eu queira, isso ainda é jogo. E nas regras,
aquele que se apaixona primeiro perde. Convenhamos, que já perdi mais de sete
vezes até chegarmos a este ponto. Sem contar que até o fim do dia é bem capaz
de eu ter perdido mais uma porção de vezes. Porque eu nunca compreendo bem como
são as regras. Sei que elas existem, mas não sei como funcionam.
Gostaria muito de ser como os outros caras, mas eu não vou
te beijar. Não porque me falta vontade, mas porque não posso ser como aqueles
outros. Não posso te beijar por causa de regras que eu não vou saber
interpretar. É tudo tão complicado aqui.
Eu não sou como os outros caras.
Mas você, se quiser, pode
me beijar.
Eu não disse nada a respeito disso.
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