segunda-feira, 16 de março de 2015

Eu não vou te beijar

Olha, eu não sou como os outros caras, então vamos fazer isso de um jeito que não te assuste e não me incomode. Primeiramente, eu não vou te beijar, não ainda. Não é desse jeito que se joga. Deixe-me te levar em meio a minha canção, então você me diz se quer ou não dançar comigo.

Eu já me apaixonei muito. Só nesse momento em que estive com você, apaixonei-me pelo menos umas cinco vezes e todas elas pela mesma pessoa. Talvez fosse o jeito de falar ou a forma como coloca tudo nessa piada que você faz da vida, talvez o meu apaixonar esteja preso nas coisas que você não mostra para os outros quando fala, mas no que a gente consegue ver quando você se cala. Meu apaixonar está preso em muitos detalhes de você, e nesse momento, por lembrar disso, já me apaixonei novamente.

Mas como eu já disse, eu não vou te beijar. Neste momento tem um livro sobre a minha cama, e o título diz para eu fazer amor e não fazer jogo, claro, como se as coisas fossem simples assim. Não quero jogar com você. Mas não entenda dessa forma, é que cheguei numa fase que a vida pede por jogos. O não beijar é jogo, o não segurar a mão é jogo, o não telefonar também é jogo. Só o que não é jogo é o se apaixonar, isso está fora das regras.

As regras deixam claro que aquele que se apaixonar primeiro é quem vai perder. Então para evitar que percamos esse jogo, vou começar pelo recesso de beijos e toques que possam nos levar a voar mais alto do que o necessário. Vamos tentar apenas a conversa, o riso frouxo depois da piada, e os olhos que se evitam muito mais do que deveriam.

Olha, eu não sou como os outros caras. Não estou aqui porque você é um retrato bonito que eu adoraria ter na minha estante. Muitos menos me importo com a sua altura. Eu gosto é da cor dos olhos, não aquela que a gente vê numa fotografia, mas aquela que fica sob o brilho deles quando você ouve um elogio dito alto pela minha voz.

Eu gostaria muito de ter um beijo seu. Mas eu não vou te beijar. Porque ainda nem pude segurar as suas mãos, muito menos consegui desmanchar o seu cabelo tão arrumado e preto. Eu gosto deles assim, como se estivessem prontos para fugirem de sua cabeça, mas acabam se tornando uma desordem tão bem feita em você. Eu nem consegui olhar pra você mais de três segundos sem me sentir nervoso com a situação, e olha que estou velho demais pra isso.

Eu sempre sou o cara que se apaixona demais. Aquele que desenha as linhas redondas enquanto ainda estão fazendo o primeiro traço da imagem. Mas é que no sentimento, não se pode começar pela parte fácil, isso torna tudo superficial, e não tem como ser superficial no gostar de alguém. Lembra que eu disse que estou na fase onde tudo é jogo? Também estou na fase onde eu queria que alguém provasse que estou errado.

Olha, eu não sou como os outros caras. Talvez eu seja, porque agora decidi te beijar. E talvez eu seja porque estou jogando enquanto deveria apenas te amar. Sei que não quero ser como os outros caras, e não estou falando daqueles que fazem tudo errado, estou falando daqueles que acertam, daquele que não temem. É tudo sobre este tipo de caras, o tipo que não sou.

Sou aquele que erra porque se apaixonou primeiro. Aquele que joga porque estão ditando as regras. Eu sou o cara que quer te levar em meio a minha canção, na esperança que você diga que gosta de dançar comigo. O cara que não te beija porque isso implicaria em agir como aqueles que fazem o certo, que fazem o que deve ser feito.

E mesmo que eu queira, isso ainda é jogo. E nas regras, aquele que se apaixona primeiro perde. Convenhamos, que já perdi mais de sete vezes até chegarmos a este ponto. Sem contar que até o fim do dia é bem capaz de eu ter perdido mais uma porção de vezes. Porque eu nunca compreendo bem como são as regras. Sei que elas existem, mas não sei como funcionam.

Gostaria muito de ser como os outros caras, mas eu não vou te beijar. Não porque me falta vontade, mas porque não posso ser como aqueles outros. Não posso te beijar por causa de regras que eu não vou saber interpretar. É tudo tão complicado aqui.

Eu não sou como os outros caras.
Mas você, se quiser, pode me beijar.

Eu não disse nada a respeito disso.


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segunda-feira, 2 de março de 2015

Paredes Azuis


Deitada de costas para ele. Olhando para a parede azul daquele quarto. Dali dava pra ver um pouco do guarda-roupas ao lado acima de sua cabeça, a porta que dava para o corredor estava abaixo de seus olhos, e a frente só havia a parede azul. Bem diferente do castanho dos olhos dele.

Deitado de costas para ela. Olhando para a parede azul de seu quarto. Sabia onde estava o guarda-roupas, sabia que havia uma TV desligada se mirasse os olhos para baixo, e que a frente só restava essa maldita parede azul, o desafiando a se virar.

Não estavam brigados, nem ao menos houve uma discussão. Mas ainda assim evitavam o olhar. E isso não era novidade naquela noite, fizeram isso o tempo todo. Conversaram, brincaram um com o outro, mas nunca se olhavam diretamente nos olhos. Tinham medo disso.

Ela estava completamente apaixonada por ele. Ele, bem, ele tinha muito mais medo do que ela a respeito disso, estava apaixonado mas não queria dizer isso para si mesmo. 

Ela tenta, movimenta-se, coloca o braço próximo ao dele. Ele se recolhe, fica sem saber como agir. Passa meia hora e coloca a perna próxima a perna dela. Ela se encolhe, fica sem saber como agir. E ali brincam de querer e fugir por algumas horas.

- Feia!

Ele diz do outro lado. Ela sorri, mas não se vira.
Caramba de garota complicada, tímida e sem jeito a essa hora da madrugada, como se fosse a primeira vez que fizessem isso.
Hipócrita, você é o homem aqui, por que diabos está com medo dela?

Ele tenta da outra forma. Vira e meche no cabelo dela. 
Ela sorri, mas não se vira.

A coisa começa a se complicar, ele não sabe ao certo se ela quer estar ali ou não. Sabe que se gostam, mesmo nunca tendo dito isso em voz alta a ela e ela fazendo o mesmo. 

A sua mão escorrega do cabelo dela, e agora em sua cintura aperta um dedo, fazendo com que cócegas aconteçam ali.

Ela ri alto, e agora se vira.

Ele perde todo o jeito, a garganta engasga e quer voltar correndo a olhar aquela parede azul. Porque o azul dos olhos dela é complicado demais para ele. Ela concorda com aquele castanho que te olha, e se pergunta mil vezes porque ama um cara tão bobo assim.

Deitada de frente para ele. Olhando para o castanho daqueles olhos. Dali dava pra ver um pouco do que ele tentava esconder, mas estava acima de sua testa, escrito bem grande. Se olhasse abaixo, saberia que ele queria mais que só tê-la dormindo em sua cama. E a frente só havia aquele castanho, e era tudo que ela queria desde o começo.

Deitado de frente para ela. Olhando para o azul de seus olhos. Se olhasse acima deles, veria que ela busca toda a felicidade naquele momento, era isso que tinha para oferecer. Se corresse os olhos abaixo, saberia que eles se pertenciam desde o começo. E a frente só havia aquele azul, o desafiando a voar.

Não eram namorados, nem ao menos entendiam essa paixão.
Mas havia um pulsar, e eles sabiam de onde vinha.

Merda de paredes azuis.

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