segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Chuva de Novembro

Lá vem ele novamente, sussurro doce, ventania fria, o sol quente numa tarde de verão.
Ele disse para não se preocupar, porque seria uma passagem rápida, dessas que só diz um "Oi, tudo bem?" e nem te espera terminar de falar.

7h10m

Hoje, no primeiro dia de novembro, ela comprou mais um café sem açúcar. Três gotas de adoçante, preto e bem quente. Lá fora, chuva, e mais um punhado de sentimentos voando por entre a brisa. 
Seu emprego fica a duas quadras dali, seu guarda-chuvas ficou em casa, ao lado da bagagem e de lágrimas sobre a pia. 


Bem sucedida. Poderia se atrasar, ligar avisando que não iria estar lá nesse dia, e eles adiariam mais uma vez a reunião para escolher qual seria a capa do mês de Janeiro. Poderia voltar pra casa, tirar o casaco pesado que cobre toda sua pele, colocar aquele moletom surrado e assistir mais três filmes sem sentido algum, rir e chorar de si mesma nessa rotina. Poderia, mas não hoje.

Havia uma entrevista às oito horas.

7h34m

Como não se atrapalhar com um guarda-chuvas na mão e sua pasta de documentos em outra, enquanto seu celular toca repetidas vezes no seu bolso de trás. Vinte e sete anos e ainda não deixou de ter aquela mania que tinha com um ano de idade, a de se atrapalhar a qualquer custo que fosse, e derrubar tudo, mesmo não tendo nada na mão.

O vento passou rápido por ele, quase levou seu guarda-chuva. Mas não foi tão rápido quanto o sorriso dela se desfazendo enquanto ele percebia que estava sendo observado em meio aquele temporal sem sentido no inicio do dia, ou pior, no primeiro dia do mês.  

Como alguém consegue manter tanta beleza sob uma chuva caindo desenfreadamente, como alguém deixa-se molhar a esta hora do dia enquanto toma seu café. Invejou-a por um segundo, antes de perceber que ela estava rindo do seu jeito atrapalhado. Isso fez sua pele queimar num misto de vergonha e raiva de si mesmo.

8h30m

"Aguarde que entraremos em contato!"
Típica frase de uma segunda feira chuvosa, sem emprego e mais uma vez voltando pra casa sem muito a oferecer. Apenas o velho e já cansado hábito de se lamentar por ter fracassado mais uma vez.

11h00m

Como tantas pessoas passam por aqui nesse dia e ninguém parece dedicado o bastante, ou qualificado o suficiente para estar entre nós? Ela questiona o examinador, até perguntar quantas pessoas estiveram aqui hoje. Ele responde que muitos foram chamados, mas dois chegaram a tempo para uma entrevista formal. Um homem de trinta e oito anos de terno Calvin Klein, e um rapaz de camiseta polo verde musgo tão molhada que parecia mais um marrom.

O rapaz era imaturo demais para aquilo. O homem de terno tem mais qualificação, viagens internacionais e da aula em duas universidade. O rapaz, coitado, acabou de se formar e ainda nem se casou, ainda nem tem experiência, chegou no horário, porém mal conseguiu respirar de tão ofegante. O homem mais velho chegou uma hora atrasado, porém estava impecável.

16h32m

O telefone toca, um número que ele desconhece. A vontade é de terminar mais um capítulo do seu livro de autoajuda ao invés de se importar com um telefonema. A voz doce de uma mulher soa do outro lado da linha, mais doce ainda é a melodia que faz quando sussurra a frase "O emprego é seu".

Dois anos mais tarde.

6h15m

Uma manhã de sol tão linda que faz qualquer sorriso despertar antes dos olhos. Ela, naquele velho moletom. Olha pro relógio e se preocupa se irá dar tempo de tomar aquele seu velho e preto café.

7h22m

Já faz um tempo, mas ele nunca se esqueceu de como aconteceu. Era um cara tentando não se atrapalhar, num dia que alguém ria dele. Nada era pra ter dado certo, mas hoje estava ali, naquela cafeteria esperando calmamente, enquanto ela abria a porta.

- Ei, posso te fazer companhia?
- Claro!

Saindo na rua, a chuva começa lentamente, ele com seu guarda-chuva se atrapalha enquanto segura o café. Ela, sorri, e não se importa de se molhar. 

- Você parece uma moça triste que ri de pessoas atrapalhadas na rua.

- Você parece um cara que vive tentando não derrubar tudo pelo chão.


Ele tinha um emprego, um livro que escreveu e não publicou. Ela tinha um apartamento tão grande, mas que só usava o quarto e o banheiro. Ela estava sobre ele na empresa, dizia o que estava certo ou errado. Mas durante os finais de semana, naquela velha casa enorme, gostava de estar sob ele, escutando cada trecho do poema que escreveu sobre a sua paixão, vinhos e chuvas de novembro.

Foi num desses dia, quando ele resolveu passar rápido e nem esperar uma resposta. Quando a brisa misturava o gosto de chuva com o clima do verão. Foi aí que ele decidiu perguntar se estava tudo bem, e eles estavam, o suficiente para assumirem que precisavam retirar o mal que cada um fazia a si mesmo.

As vezes o amor não está nem aí pra quem você é. Ele quer simplesmente te enxergar. Sendo sob a chuva que não molha, sob o céu estrelado que não sonha, não importa. Quando ele resolver se apresentar, você vai ouvir sua pergunta, mas não terá tempo de responder, porque ele não se importa, desde que você possa entender. Que amanhã o sol vai estar lá, ainda esperando para te ver.

Marcadores: , ,