terça-feira, 23 de setembro de 2014

Dançando com outro Alguém



E se eu tivesse te dado flores? Segurado as suas mãos?
Tivesse te dado todas as minhas horas, quando tive chance?
Ou se eu te levasse para todas as festas, pois tudo que você queria era dançar?

Eu nunca saberia responder essas questões, pois não sou quem está dançando essa música com você. E também não dançarei a próxima, nem aquela que tocar depois dela. E sabe que essa sempre será a pior parte. Quando o disco parar de tocar, e eu ainda estiver acordado, esperando que algo aconteça entre o intervalo de uma canção e outra.

E se eu tivesse te dado flores?
Sei que você nunca esperaria por um buquê completo, desse com rosas vermelhas e brilhantes. Nossa história sempre se resumiu em algo roubado de um jardim alheio e marcado para todo sempre em nossas lembranças. As pétalas nunca brilhariam como aquele buquê comprado, mas os nossos olhos fariam esta parte, como sempre fizeram.

Mas agora isso me assombra toda vez que os fecho...

E se eu tivesse segurado suas mãos?
Você sempre corria os seus dedos sobre os meus enquanto dormíamos ali. Mas corria de mim quando eu lhe oferecia eles em meio a tanta gente. Era diferente de timidez, era mais que isso, era o seu jeito de dizer “eu amo quando você faz isso”. E eu sei que você amava quando eu, o seu ladrão, te roubava sorriso em momentos como este.

Estou na mesma cama, mas ela parece tão grande agora...


E se eu tivesse te dado todas as minhas horas?
Talvez eu precisasse mesmo ir embora naquele horário, ou talvez eu nunca me importasse com o dia depois daquele. Deitado em sua cama eu podia compreender quando, com os olhos, você dizia para eu ficar e não sair dali. Dizia que era pouco tempo demais, apenas uma ou duas horas para poder sentir todo o amor que guardou durante aquele dia.

Mas fui muito jovem, muito burro pra perceber...

E se eu tivesse te levado para todas as festas?
Eu sei o quanto você adorava dançar. Lembro quando qualquer música tocava e você fingia algum movimento engraçado para me fazer sorrir. Era como se você sentisse cada batida ali, e todas elas vinham de dentro daqueles nossos peitos, unidos. Você gostava de beber e rir quando eu bebia mais do que você, caíamos juntos de lado, exaustos, depois de errar o passo daquela canção. E esse era o nosso jeito de dançar.

E você continua dançando, mas agora com outro alguém...

Mas tudo agora é apenas um sussurro...

E sei que é um pouco tarde para me desculpar sobre todos os meus erros, mas gostaria muito que você soubesse:

Eu teria te comprado muito mais flores se isso lhe fizesse feliz.
Teria segurado suas mãos, para mostrar que nunca iria desistir.
Teria te dado todas as minhas horas, para que você nunca tivesse que de despedir.
E te levaria para todas as festas, porque você adora dançar e eu adoraria estar ali.

E mesmo que isso doa, eu gostaria de saber:

Se eu fizesse tudo o que deveria ter feito, meu amor não estaria dançando com outro alguém?

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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Cigarro

Preso num pacote fechado, deviam haver mais uns oito ou nove como eu. Estava apertado lá dentro, e costumo ter claustrofobia quando está escuro demais. Então fiquei agradecido quando ela me pegou entre os seus dedos.


Eu nem sei que horas eram. Talvez fosse o almoço, o fim de tarde ou qualquer outra hora menos afortunada de magia e mistério, pois eu achei que meu fim cairia bem mesmo após uma noite de bom sexo, mas não posso determinar nada aqui.

Aos poucos senti a chama se aproximar e logo estava sobre minha pele, queimando lentamente e um pouco mais rápido conforme aquela boca, que mantinha um batom vermelho, suavemente me tragava.

A nicotina é a parte que mais queima dentro de mim, sei também que é o que ela mais espera quando me coloca naquela posição entre seus lábios. É como se aquilo fosse fazer todas as coisas pararem de correr e, lentamente, explicar o que estávamos fazendo ali.

Uma tragada, o fogo ardia forte.

A chama queimava cada vez mais o meu corpo. E junto dela um sentimento pulsava no peito daquela que me tragava. Insistentemente, cada vez mais devagar e suave como um beijo de despedida.

Antes, pensei eu, era só mais um momento não afortunado de magia e sedução. Mas agora eu percebia que estava no melhor entre todos eles. Como se estivesse em um trono real sobre todos os outros cigarros daquela caixa. Eu era o rei, e estava na realeza entre os sentimentos dela.

Mais uma tragada, outra lágrima escorria.

Ele foi embora e a deixou ali. Só podia ser esse o sentido daquela forma como ela me beijava. O fogo ardia em mim, mas queimava tão devagar que eu podia ver tudo o que estava naquelas lágrimas. Era mágico.

Sobre o amor, bem, não sei nada dele. E se soubesse, só diria que ele arde, queima a cada tragada. Mas quando está no momento mais especial daquilo, isso não importa.

Faltava pouco, ela continuava a me tragar.

Quando vi, eu era mais fumaça do que propriamente um cigarro. E aquela altura, qualquer momento poderia ser o ultimo entre nós. Era o sexo mais incrível entre aqueles lábios vermelhos e a minha pele em chamas. Sei que nunca provei de outro sexo, mas este era especial, os outros teriam inveja de mim.

Ela enxugou a última lágrima e sussurrou o nome dele. Tentei ouvir, mas não consegui assimilar. E eu sabia que minha hora estava preste a chegar.

Claro que havia um carinho meu a respeito dela. Deixei meu corpo queimar para que o sorriso pudesse surgir, mas não foi o que aconteceu.

Fui arremessado com violência. Atingi o chão duro e bati mais uma vez antes de ali ficar. Era o meu fim, e eu faria isso um milhão de vezes por aqueles lábios, mas antes que eu pudesse apagar a ultima chama em minha pele, eu a ouvi sibilar:

- Malditos cigarros!

E então ali entendi o que era amar.

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terça-feira, 9 de setembro de 2014

Compor Amor

O acorde começou no piano. Três notas agudas e duas graves. Não sei ao certo se era Dó, ré ou Mi, mas existiam notas ali e elas formavam uma canção. Doce e lenta, melancólica e estridente. Presa em três acordes agudos e dois graves.


Quando ele acordou pela manhã, percebeu que o silêncio estava muito alto para os seus ouvidos, então começou a fazer música.

Ela não fez diferente. Mas o seu piano não estava mais naquela sala, então tudo o quê pode ouvir foi o som preso dentro de sua cabeça. E deixou que o mesmo permanecesse lá por horas, dias, meses talvez.

Ele não sabia fazer muita coisa em sua vida. Mas sabia, como nenhum outro soubera, rimar acordes e tons de sorrisos dela. Era como se cada passo que a garota desse em sua direção se tornasse música. E convenhamos que fazer música não é tão simples assim, precisa de verso, de rima e a tal da batida perfeita.

Ela sabia dançar. E como nenhuma outra garota, fazia isso leve como uma pluma. Mas o problema estava no compasso, só o que ele oferecia fazia algum sentido em meio aos seus passos. Era como criar uma coreografia toda errada para as outras músicas que só faz sentido no acorde do piano dele.

Você sabe como tocar três notas agudas e duas graves sem perder o compasso de uma dança? Ele sabe.
Ela sabia mais do que dançar, sabia voar ao som daquele jovem rapaz. Ele ensinou o dó e o mi para ela, enquanto essa explicava como se mexia delicadamente a cintura num passo de foxtrot (e ele nem imaginava que isso era o nome de uma dança).

Os dois juntos versavam. Ele escrevia e ela rimava. Era como compor a mais bela canção todas as noites que os sorrisos se encontravam e ter a certeza que o top 100 de uma Billboard da música clássica e melhor composta, fosse sempre deles. E realmente seria.

Mas o silêncio estava alto, como eu já lhe contei. E o piano não estava mais na sala de estar daquela garota. Ela queria dançar em cada um daqueles acordes, mais uma vez apenas. Sentir os passos e fazer deles música, era o desejo dele, que ainda estava tentando rimar sozinho em sua casa.

Eu poderia, ainda que pareça improvável, dizer que ele nunca passou de um pedaço de papel. E ela uma caneta velha com a tinta acabando. Ele precisa ser riscado e ela precisa riscar. É assim que a música nasce também, num pedaço de qualquer coisa. Mas vamos ser francos, ninguém vai criar.

Ele sabia, como nenhum outro, fazer música.
Ela sabia apenas dançar.
Ele era um pedaço de papel.
Ela uma caneta a rabiscar.
Faziam falta separados.
E juntos faziam amor sem parar.

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