Compor Amor
O
acorde começou no piano. Três notas agudas e duas graves. Não sei ao
certo se era Dó, ré ou Mi, mas existiam notas ali e elas formavam uma
canção. Doce e lenta, melancólica e estridente. Presa em três acordes
agudos e dois graves.
Quando ele acordou pela manhã, percebeu que o silêncio estava muito alto para os seus ouvidos, então começou a fazer música.
Ela não fez diferente. Mas o
seu piano não estava mais naquela sala, então tudo o quê pode ouvir foi
o som preso dentro de sua cabeça. E deixou que o mesmo permanecesse lá
por horas, dias, meses talvez.
Ele não sabia fazer muita coisa
em sua vida. Mas sabia, como nenhum outro soubera, rimar acordes e tons
de sorrisos dela. Era como se cada passo que a garota desse em sua
direção se tornasse música. E convenhamos que fazer música não é tão
simples assim, precisa de verso, de rima e a tal da batida perfeita.
Ela sabia dançar. E como nenhuma outra garota, fazia isso leve como uma
pluma. Mas o problema estava no compasso, só o que ele oferecia fazia
algum sentido em meio aos seus passos. Era como criar uma coreografia
toda errada para as outras músicas que só faz sentido no acorde do piano
dele.
Você sabe como tocar três notas agudas e duas graves sem perder o compasso de uma dança? Ele sabe.
Ela sabia mais do que dançar, sabia voar ao som daquele jovem rapaz.
Ele ensinou o dó e o mi para ela, enquanto essa explicava como se mexia
delicadamente a cintura num passo de foxtrot (e ele nem imaginava que
isso era o nome de uma dança).
Os dois juntos versavam. Ele
escrevia e ela rimava. Era como compor a mais bela canção todas as
noites que os sorrisos se encontravam e ter a certeza que o top 100 de
uma Billboard da música clássica e melhor composta, fosse sempre deles. E
realmente seria.
Mas o silêncio estava alto, como eu já lhe
contei. E o piano não estava mais na sala de estar daquela garota. Ela
queria dançar em cada um daqueles acordes, mais uma vez apenas. Sentir
os passos e fazer deles música, era o desejo dele, que ainda estava
tentando rimar sozinho em sua casa.
Eu poderia, ainda que
pareça improvável, dizer que ele nunca passou de um pedaço de papel. E
ela uma caneta velha com a tinta acabando. Ele precisa ser riscado e ela
precisa riscar. É assim que a música nasce também, num pedaço de
qualquer coisa. Mas vamos ser francos, ninguém vai criar.
Ele sabia, como nenhum outro, fazer música.
Ela sabia apenas dançar.
Ele era um pedaço de papel.
Ela uma caneta a rabiscar.
Faziam falta separados.
E juntos faziam amor sem parar.
2 Comentários:
Nossa.... meus parabéns! Fiquei emocionada! !!!
Muito Obrigado Fabi. Espero ter conseguido te transmitir o sentimento da história.
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