Amor quatro-olhos

Sempre existe aquele cara um pouco estranho. Ele tem o cabelo dividido no meio, usa roupas que deveriam ser do seu avô e um óculos enorme no rosto. Anda sempre acompanhado de muitos livros, agarrando-os para que nenhum "descolado" os derrube. É tímido demais para ter amigos, inteligente demais para se relacionar com outras pessoas. Fala baixo, sabe todas as respostas, mas erra sempre que tenta parecer inteligente. Eu costumava chamá-lo de: quatro-olhos.

Encontrei-o outro dia naquela sala. E antes que ele pudesse dizer algo, eu pude ouvir. E as palavras soaram mais ou menos assim:

Não sou professor, ainda sou aluno nessa escola. Mas gosto de ser o "mais inteligente" quando o assunto é sentimentos e coisas do tipo. Confesso que se acontecer uma pergunta, no alto (antes que alguém possa pensar em fazer) meu dedo estará posicionado. Responderia qualquer coisa que me perguntasse agora mesmo. Pergunte.

Leio bastante sobre o assunto. Gosto da física que envolve cada movimento e força exigida naquela pressão. Quando o reflexo volta numa velocidade que precisa ser calculada e um trajeto tem que ser definido. Gosto de saber quanto  Newtons são exigidos aqui e ali. É meio complicado montar essa fórmula, mas eu sempre sei como e onde encaixar cada valor explicito no problema.

Uma vez me falaram que a Química é importante nesse lance de amor.

Caramba, claro que ela é!

Fiquei surpreso de nunca pensar sobre o assunto antes. Existe uma ausência de oxigênio que precisa ser completada por muitos H's até se tornar um novo elemento. Sem contar as coisas sobre os elétrons, prótons e íons que são necessários para esse equilíbrio.

Muita gente pensa que a camada K diz muito sobre "estar pronto para um relacionamento" mas vamos ser francos, ela leva 2 Elétrons sem antes saber nada sobre todos os outros. Diria que a camada mais sensata sobre tudo isso é a última. A camada Q continua se importando apenas com 2 Elétrons, mas passou por muitos outros até chegar nessa conclusão. (Mas eu adoraria só ter sido a camada K até o fim)

Desculpem-me. Empolguei-me nessa coisa de química e perdi o foco. 

"Te amo"

Primeiramente, o pronome oblíquo não inicia a frase (vemos acima o uso correto dele nas minhas condolências).

Estou expondo o que eu sei sobre a língua portuguesa. Ela também é muito importante para o assunto em questão. Aqui é a hora que eu descrevo sobre todas essas coisas, minto, pontuo e transpareço. Porque sei muito sobre o assunto em questão.

Não quero conversar com vocês!

Minha voz sai baixa, porque sou tímido demais para isso. É como se um medo me dominasse e dissesse que eu só posso conversar com meus livros. Sei que vão caçoar de mim em algum momento, apontar e dizer aquele apelido chato (quatro-olhos).

Não gosto quando fazem isso, mas sei que isso me torna diferente de todos os outros. Talvez, singular.

Esse é o tipo de amor que corre em mim.

Ele sabe de física, química, português e todas as outras matérias que você precisar saber. Mas ele é tímido demais para se mostrar. Passa calado, corre e tropeça. Derruba todos os livros no chão, enquanto outro (aquele mais "descolado") chuta para longe todo seu material.

Em um mundo que todos gostam de futebol, atrizes de novela e coisas populares, é difícil ser assim. 

Ontem vi um casal.

Eles são simples, não muito inteligentes, nem burros o suficiente para ser descolados. Apenas normais. Ele dizia algo sobre amor no ouvido dela. Ela, sem jeito, sorria e tentava não gritar parar todos o quanto estava feliz. Ele a tocava na cintura, mas também acariciava seu cabelo.

Sei que a biologia explicaria as coisas que ocorreram ali, mas eu não entendi.

Sabe. Todos os outros amores, são legais. O meu é, simplesmente, um nerd. Tímido, retraído, inteligente e Nerd.

As vezes me pergunto se existe, em algum livro, uma respostas para tudo isso. Para o tipo de amor; Para a forma como lidar com ele; Para a forma como segurar os livros sem que eles caiam no chão. Existem muitas coisas das quais não sei. Por exemplo: Comecei a falar sobre meus sentimentos, agora não sei se é sobre isso.

Acho que preciso abrir um outro livro. Lê-lo devagar, procurar uma nova fórmula.

Todo mundo tem o direito de encontrar alguma resposta.

Ser uma camada Q nesse mundo onde todos desejam ser L ou M. Caramba, estou ficando louco.

Não sei o que estou dizendo, vocês nem precisam disso.

Queria apenas saber mais sobre tudo, é ruim entender e não conseguir praticar.

Alguém ali fez uma pergunta. E, tenho certeza, que ele nada sabe sobre o assunto. Mas o dedo está estendido para o alto. Enquanto todos insistem em rir baixinho. Eu costumava dizer algo sobre ele nessa hora, mas dessa vez não vou me intrometer. Ele tem um belo sorriso, parece singular. Não sei o que ele tem de diferente, mas sei que hoje foi a vez do Quatro-Olhos amar.