segunda-feira, 22 de maio de 2017

Bastante singular


Você não seria bom o bastante.

Quando, depois de ouvir toda a história sobre meus relacionamentos naufragados, eu dissesse que precisaria de um tempo até concordar em ser nós novamente. 

Não seria bom o bastante, quando eu me deitasse em seu colo e contasse várias vezes a mesma história engraçada e risse com a mesma intensidade que ri da primeira vez que te contei.

Quando meus lábios encontrassem os teus e nós dois juntos dançássemos uma velha canção que fica presa num sussurro entre o dizer e não dizer, e você se manteria ali. 

Você nunca seria bom o bastante quando eu lhe contasse que já voei por um céu azul, mesmo sabendo que azul é a cor que fica quando você olha nos olhos do universo. 

Talvez na minha ânsia de querer ser muito mais do que o simples e sincero possa oferecer, eu tenha me afogado em algum oceano de incertezas sobre acreditar que alguém ainda possa ser.

Bom, o bastante nem sempre significa muito. As vezes o raso ensina a nadar, gosto quando este não tenta invadir o espaço do meu oceano particular. E me mantenho seguro.

Pois eu sei que você não seria bom o bastante pra se aprofundar. 

E eu não estou te julgando e nem dizendo que você não tenha o mérito para tal proeza. Mas eu não quero te deixar chegar até lá. Pois eu sei o que é bom pra mim, você hoje é só um céu azul, onde pássaros voam e tentam se abraçar.

Eu sou imensidão, intensidade e um amontoado de história que nunca deram certo. Ainda rio daquelas velhas piadas que ouvi há muito tempo atrás. E elas nem eram tão boas assim, como você.

Desculpa se a minha verdade te machuca, mas a verdade dos outros sempre me colocaram os pés no chão. E eu só queria voar.

Ei, você nunca vai ser bom o bastante, porque eu nunca serei a história de dois.

Eu sou céu, oceano profundo, eu sou o bastante.
Vivo em singular.

Marcadores: ,

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Um Dia

Vai chegar um dia na sua vida que deitar a cabeça no travesseiro significa pensar em hipóteses de fazer a vida dar certo e os sonhos na madrugada sobre a vida perfeita vão virar planilhas no notebook iluminando seu rosto em meio a escuridão.

Vai chegar um dia em que dizer em voz alta o que se sente é inseguro. É de dar medo. Ouvir que alguém te ama significa sonhar, e então você sai correndo porque sonhar é coisa de adolescente que não tem com o que se preocupar.

Vai chegar um dia, e esse sempre chega, que pensar em "nós" significa um apertar na garganta, um prender os pulsos, a saudade, portas fechadas e vazios. Mas nunca é sobre duas pessoas dividindo o mesmo espaço em qualquer sofá velho e surrado.

Vai existir um tempo onde você vai chorar sozinho assistindo um filme que já viu mais de cinco vezes sem sentir coisa alguma. Você vai ser o mocinho, protagonista, e então quando o letreiro subir, vai lavar o rosto, tomar um banho e sair pra mais uma noite de vilão da vida real.

Aí vem outro dia que você se torna o senhor da razão quando o assunto é coração. A maior idiotice que já inventaram, razão sobre coração. E você vai dar palpite sobre todos os relacionamentos dos amigos, vai dizer que já passou por aquilo e que a melhor resposta sempre é se por em primeiro, segundo e terceiro lugar. Você vai se esquecer como é gostar de alguém e vai dizer que isso não vale a pena.

E então chega aquele dia. O dia que você se torna o que sempre temeu. Vazio, frio, intocado. Você se torna você e somente este lhe importa.

Não que você se torne um monstro, insensível ao sentimento dos outros ou coisa do tipo. Cada um tem a sua forma de vazio, e muitas vezes esse só fica implícito entre você e um espelho. Ser vazio não significa não ter lido dezenas de livros no último ano, ou ser a pessoa que não respeita o sentimento dos outros. É um outro tipo de vazio. Onde ninguém entra, bebida alguma supre, cigarro não queima e pele nenhuma toca.

Quando esse dia chega, você começa a perceber como os detalhes são importantes, mas eles não cabem dentro da sua bagagem. Você se admira por um sorriso aqui, namora um olhar ali, rouba um beijo apaixonado de alguém, mas continua só se importando em deitar sua cabeça no travesseiro e colocar em suas planilhas o que deseja em sua vida.

E então dizer o que sente em voz alta é inseguro. Sonhar é coisa de adolescente e você cresce. Fica adulto, velho, morre, renasce, tenta ser criança mas não consegue. Você se fecha, e nesse dia as coisas começam a doer.

E essas coisas doem porque são pesada, espinham o peito e ficam presas lá. Escapam pelos olhos em forma de lágrimas mas da sua boca palavra nenhuma se forma. Sua cabeça continua numa cama, notebook desligado, olhos fechados, tentando não pensar, nem planejar.

Nessa noite você sonha.

Você vê um sorriso a te admirar, um par de olhos sussurrando seu nome. Você vê uma pele que canta a canção de "nós". E estes nós não prendem, estes nós São laços tão belos e delicados que você não se importa. Nessa noite você sonha e brinca de ser criança novamente. Você monta casas, viagens e momentos que nunca existiram, mesmo sabendo que fazem parte de algumas lembranças. Nessa noite, você se salva.


E então chega o dia, mais uma vez você se levanta. Sorri com a alma e enfrenta seus medos. Vai naquela velha cafeteria e pede um pequeno, forte e bem quente.


Nesse dia você vai se apaixonar.

E então todos os outros dias serão apenas versos num pedaço de papel. E todo o vazio no peito vai se completar. Sorrisos, musicas, filmes e mais um monte de coisas que você nunca poderia imaginar.

Você ri de si mesmo, pois a maior piada da vida é essa coisa de amar. Mesmo você sabendo que um dia isso te machucou, em tantos outros o amor se propôs a te curar.

E nesse dia, bem, a gente senta e discute como é fácil ser adulto ancorado ao chão que aprendeu a voar.

Mas hoje eu estou aqui.
Você aí e mais nada a se falar.
Vazios são imensidões no calendário
Esperando esse dia chegar.

Imagem: Pinterest


Marcadores: ,