quarta-feira, 19 de abril de 2017

Importância

"Eu, realmente, não me importo."
Diante do espelho, um par de olhos azuis, a barba maior que o eventual e muita coisa pesando sobre sua cabeça. Essa frase soou mais alto do que poderia ficar presa em sua cabeça, como um grito desesperado de quem precisa desabafar. E, aquele par de olhos, se importavam e muito com tudo isso.

O dia está claro novamente, não fazem nem dez minutos que ele tirou a roupa, tomou um banho e deitou depois de mais uma noite de movimentos. O gosto na boca é seco, é áspero e amargo. A sua cabeça dói e todo o resto do quarto continua girando. Não dirigiu de volta pra casa, mas poderia fazer isso sem ao menos ligar se prejudicaria alguém.

Não faz muita diferença, não para ele. Alguém que não se importa muito com tantas coisas. E podemos classifica-las desde o horário que acorda, a comida que vai comer, o corte de cabelo ou a camiseta que vai vestir. A boca que beija, a mão que segura por dez ou menos minutos e as mensagens que responde fingindo que gosta da situação.

Não se importar é como viver pisando em cacos quebradiços, rasgando a pele sob os pés cansados e continuando a caminhar. É o mesmo que deitar numa cama de solteiro acompanhado, acorda numa de casal sozinho ou tirar o cochilo no carro de um estranho, vestir suas roupas e ir vivendo o dia seguinte.

Ele, talvez tenha razão, quando concorda que não se importa. Mas deita a cabeça no travesseiro depois de mais uma dessas noites e só pensa em como tudo seria diferente se ainda sentisse alguma coisa. Um resquício de sentimento que o fizesse querer ligar, mandar uma mensagem ou ouvir outra vez aquela velha canção sobre eles.

Mas vamos ser bem francos, porque não se pode dizer absolutamente nada sobre ele, sem antes contar como ele gosta de ser um infeliz que desacredita em tudo o que diz pros outros acreditarem. Amor? bobagem. Alguém um dia inventou essa coisa para passar o tempo ao lado de outra pessoa e não ter que justificar o porquê. 

Não se importar é o mesmo que se importar demais. Você acumula um tanto de coisas que quer colocar em outro patamar de importância, as carrega em seu braço e despeja sobre um outro alguém. Este, por sua vez, abre os braços e joga tudo no chão. Aí que a história começa. Alguns vão lá e juntam pequenos detalhes do que pertencia a outra pessoa, outros varrem pra debaixo do tapete. Enquanto você, bem, você ficou sem nada para segurar.

Importância, diz-me uma sobre sua vida que eu lhe conto trezentos motivos para isso não ser classificado assim. Importante é o momento, o lugar onde você está e o espaço que você ocupa dentro dele. Tudo o quê depende de um terceiro para ser classificado dessa forma, não vale a pena. De resto, ele não deixa ninguém derrubar suas coisas no chão.

Mas voltando para aquele dia, onde o sol amanhece. A cabeça girando e o gosto amargo na boca. Voltando diante de um espelho onde ele reafirma para si mesmo que não se importa. Depois de suas lágrimas se misturarem ao quente que desce do chuveiro ouvindo outra vez uma canção que toca em sua mente sem ninguém conseguir entender.

Voltemos ao espelho. A um par de olhos e a frase que ele diz para si todos os dias quando alguém não concorda com suas atitudes. Voltemos cada vez mais, àquele tempo onde ele não concordaria com esta frase, pois fazia sentido se importar com alguém.

Quando tudo estiver de volta neste mesmo lugar. Aí você o coloca diante de um espelho. Depois de deixar seu gosto doce naquela boca, fazê-lo girar a cabeça para ficar diante dos olhos teus e tirar toda e qualquer dor que ele sentia ali.

Depois que a cama de solteiro for a cama apertada de duas pessoas. Você, mais uma vez, sussurra naqueles ouvidos e aguarda pela resposta.

Ali ele se importaria, novamente.

Por uma pequena fração de segundos, quando ninguém estivesse olhando e o sorriso fugisse de seu rosto. Quando desligasse o celular e lesse mais três poemas. Naquele miserável segundo, ao se lembrar daquele tempo, ele sempre se importaria.

Porque quando os teus olhos ainda estavam lá, teria sentido ser importante. Mas depois disso, a única coisa que faz sentido é o amargo na boca e sua cabeça girando. Mãos dadas por dez minutos e um nome que ele nem vai se lembrar.

Desculpem-me se derrubei tuas coisas por aí,
Mas quando é sobre ele, não da pra recolher pedaços do chão.
Sempre fica um nada para segurar.

Cama imensa, quando se está sozinho.
Maldita importância que ele nunca dá!



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