quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Do contra

História de Anônima

Deveria ser a décima ou vigésima vez naquela noite que repetia a mesma frase: “Hoje eu não vou sair”. Era uma mentira, porque o celular já estava entre os meus dedos digitando mensagens com um tal de “não sei”, “vamos ver”, ao invés de um belo “Não” para os convites daquele dia.

Bem, isso não é importante. Na verdade, nada era. Onde ir, com quem ir e como ir, nunca foram grandes importâncias. Eu só não queria ficar sozinha, por mais que insistisse que não podia ficar em meio a tanta gente. Tem dias que precisamos só da nossa dose, e por mais que eu insistisse que era esse o meu dia, não conseguia respeitá-lo.

Não sou o tipo de garota que não se envolve. Mas já estava cansada de ser o outro tipo. Sempre levando um balde frio na cabeça quando o assunto era pegar fogo por alguém. Gostar de alguém era muito fácil, nos primeiros dez minutos, depois disso era só mais uma pessoa como todas as outras. E nada tinha a ver com cativar e tornar-se única entre tantas outras mil.

Meia-noite, mais que isso. Sozinha, esperando os amigos chegarem. Não sou muito paciente, nem dependo das pessoas. Quando decidi que iria, já estava na porta daquela boate, só não queria entrar sozinha, então me mantive ali, a espera. Na minha impaciência, isso nunca seria admissível, mas eu estava me burlando toda nesse dia. Não havia entendido o porquê, mas nesse instante, o meu desejo por me contrariar, colocou-me onde eu devia estar.

Meu gosto, sobre os caras, não é muito diferente das outras pessoas. Mas eu tenho aquelas características que só fazem parte do meu gostar. Um andar mais duro, a camiseta mais comprida e o boné escondendo os olhos. Isso é um tipo que chamaria minha atenção. Gosto de pulseiras, gosto de colares, gosto de tênis alto e de quem chama a minha atenção sem fazer esforço algum. Gosto de olhar incisivo, barba e olhos castanhos.

Ele, sendo uma pessoa como tantas outras, apenas chegou com seus amigos e entrou no lugar. Minha ansiedade começou a gritar para eu não esperar por mais ninguém. Mas esperei. Contrariar-me estava dando certo até neste momento, porque não continuar assim? Os amigos chegaram logo em seguida, alguns minutos depois, estávamos dançando sob aquelas luzes e ouvindo aquelas músicas de sempre.

Ele me olhou. Eu desviei o olhar. Eu o olhei, ele desviou o olhar.

A timidez é uma grande idiotice as vezes. Já se passaram algumas horas, e ninguém tinha coragem de dizer um “oi”. Meus amigos insistiam que eu deveria toma a atitude. Nunca. Não sou o tipo de garota que sabe o que dizer. Eu mal consigo completar as minhas próprias frases em uma conversa segura. Imagine, isso seria um absurdo. Ele deveria fazer isso. Eu já o tinha visto primeiro, era a vez dele falar por primeiro.

Garoto estúpido. Não olhava em meus olhos, mas tinha coragem de sentar-se diante de mim e não dizer nada. Na roda, entre meus amigos, o comentário era o mesmo “ele está olhando para você”. Eu nem acreditava nisso, nossos olhos nem se esbarravam. Até aquele momento, quando, distraída, peguei-me olhando para ele enquanto minha amiga dizia algo sobre o mesmo. E lá estava, belos castanho mirando para esses verde clichê que eram os meus.

Eu não iria falar com ele. Não mesmo. Só que lá estava eu, a garota que resolveu se contrariar nesse dia. Avancei um passo, dois e três. Logo estava diante dele, ele ainda sentado, olhando em seu celular. Eu disse o primeiro “oi”. Ele estremeceu, eu vi quando o celular quase escorregou entre seus dedos. Olhou-me nos olhos, e respondeu com um sorriso. Aproximou-se e perguntou meu nome. Logo eu já sabia o dele, e seus gostos, e os lugares onde viajou, ele gostava de ler, e eu sempre fui uma poesia mal terminada precisando ser compreendida.

Passaram-se alguns minutos, logo já eram mais de dez, ele continuava interessante. Passaram-se alguns dias, depois meses. E ele continuou interessante. Eu disse para mim mesma que nunca mais me apaixonaria, nunca mais me entregaria, nem acreditaria em qualquer palpitação boba dentro do meu peito. Contrariei-me, mais uma vez, aqui estou agora.


Ele não precisava disso. Eu também não. Mas um dia prometemos que o importante, depois de nos cativarmos, é que se um dia fosse de lágrimas, as memórias nos valeriam a "cor do trigo". Depois de tanta água fria, decidimos que o contrário faria parte de nossas vidas. O medo, virou coragem, as lágrimas, sorrisos. E as noites frias sozinha, tornaram-se boa companhia quente de madrugada. O que nunca deu certo, passou a fazer sentido. E o que nunca fez sentido, passou a dar certo.

Os pequenos olhos castanhos me tinham, antes mesmo de saber quem eu era.
Eu era a dança dele, antes mesmo de saber que minha poesia também era música.
E isso, eu aprendi com uma raposa, é o essencial que os olhos nunca puderam ver.



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