terça-feira, 11 de setembro de 2012

Com garras no chão

Entre todas as aves que estavam no local, era ele, o Coruja, quem contava as histórias. Por sua idade e nível de sabedoria, pelo seus olhos terem vistos coisas que ninguém ali tinha visto. O silêncio naquela sala simbolizava o respeito que as outras tinham pelo Patriarca daquele lugar. Coruja velha, com o bico curto beirando os tons escuros, aqueles gigantes olhos amarelos, meio caídos, mas ainda sim profundos. Suas penas eram de um tom de branco neve que cobria o marrom das montanhas ao mesmo tempo que se misturam.

No canto da sala as pequenas aves o olhavam com admiração. Os três pombinhos cinzas tinham um brilho imenso nos olhos, as andorinhas ficavam ali paralisadas, aguardando por aquela história. Era uma já conhecida por todos, sobre um filhote de águia, que tinha medo de voar.

O arara azul preparara toda aquela sala no centro de uma enorme árvore, com lugares para todos se aconchegarem. Mas quando chegou e percebeu que não havia espaço para ele, se empoleirou em um pequeno galho acima da cabeça do Coruja, para poder ouvir bem a tal história. Os Pequenos falcões estavam ali pela primeira vez, e não se aguentavam mais de tanta ansiedade para ouvi-la, então o silêncio tomou conta de lugar e ele começou.

- Ela era uma águia de porte menor do que todas as outras, suas penas de tons dourados a destacava de suas outras espécies, Imperial, era assim que era nomeada. Seu olhos marrons claros olhavam furtivamente para as outras aves, que sentiam certo medo de enfrentá-la. Isso fazia com que vivesse uma vida sozinha e longe de todos. O medo afastava todos a sua volta, e isso a deixava angustiada. Mas Imperial tinha um segredo, o qual ninguém nunca saberia. Imperial tinha medo de voar.

Um riso no fundo da sala fez a atenção do Coruja se desviar, lançou um olhar direto para os Periquitos que ali se encontravam.

- Pode parecer engraçado para vocês, o fato de uma ave não saber voar, mas para Imperial, isto era o motivo, para ser a mais indesejosa companhia, era o motivo para se manter afastada, e era nisso que acreditava quando via que as outras aves mantinham distância.

Um pequeno piado, foi o que desviou a sua atenção desta vez, a pequena corujinha, em tons acinzentados perguntou tímida e com certo medo ao avô:
- Ela era triste, vovô?

- A pequena águia se fazia de forte, empinava seu peito e mostrava suas asas douradas, exuberantes acima daquela montanha. Mas, sim minha querida, Imperial era de todas, a ave mais triste daquele lugar. Invejava as outras que passavam voando em sua volta e escondia este segredo de todos.

O sol estava a pino neste dia, Imperial saía de sua toca, para olhar mais uma vez aquele céu em meio as montanhas, foi quando viu, de longe nem muito grande, nem tão pequena, mais ainda sim brilhava ao reflexo dos raios em suas penas. Douradas como as dele, os olhos castanhos como os dele. Passou num voo rasante por entre as arvores e pousou distante, mas mesmo assim seus olhos ainda a seguiam.

- Era a namorada dele? - Perguntou as pequenas aves engraçadas que se encontravam a sua frente, pequenas e ainda sem penas, se sua mãe falcão não estivesse ali, seria difícil definir a espécie daqueles dois pequeninos.

- Como que uma Águia Real como ela poderia querem namorar uma outra que nem sequer sabia se posicionar sobre o céu? Ela precisaria de alguém para voar ao seu lado, e não que mantivesse suas garras presas ao chão. E foi pensando nisto que Imperial se pôs a tentar. Enfrentar seus medos e levantar voo.

Foram muitas tentativas, e tantas falhas. Agora as pequenas aves que o temiam, riam dele, ao expor seu segredo, o medo que causava já não se aplicava mais ali. Imperial  expôs seu medo, passou dias de vento e neve tentando se manter dono daquele céu.


Real passou a observá-lo. Quieta e serena, ela se mantinha em seus galhos. Algo nele a Intrigava, talvez fosse sua força de vontade, ou apenas seu jeito de olhar. Mas mesmo assim se via obcecada por observa-lo de longe. E assim continuou.

Uma Arara azul já cansada da tal história, o interrompeu.
- E no fim Imperial levantou Voo e Real ficou com ele. Já sabemos disso.

Foi então neste momento que uma enorme águia abriu as asas dentro daquela árvore, todos desviaram os olhos assustados, exceto Coruja, que soltou um pequeno som e terminou dizendo: - Quer concluir sua história Real?

As outras todas se encolheram, a Enorme águia se pôs no meio daquela reunião, agora um pouco mais fraca, suas asas mais falhas, alguns anos já haviam se passado em sua vida, mas ainda se lembrava de tudo. Num tom suave de voz a Águia continuou a história.

- Ele era diferente de todas as outra Águias, Imperial tinha um mistério a mais. Tentou de todas as formas dominar o céu, presenciei sua queda todas as vezes. Mas a cada tombo se colocava novamente em pé, então tentava mais uma vez abrir suas asas. O vi ferido, machucado, mas nunca o vi desistir.

Foi então que eu desisti e fui atrás dele. Mas o orgulho era maior, este foi o que não me permitiu continuar ao seu lado. Ele me dizia que só ficaria ao meu lado quando pudéssemos voar juntos, enquanto eu insistia para mantermos as garras no chão.

A pequena voz da corujinha se fez presente em forma e pergunta para aquela imensa águia:
- Onde está Imperial agora Dona Real?

- Imperial nunca desistiu, eu insisti para que criássemos raízes em terra, que eu não me importaria mais de não voar. Mas a sua obsessão era maior, ele me afastou. Eu não pude me manter no chão ao seu lado, porque ele não pode voar comigo. As vezes ainda fico naquela antiga árvore o olhando tentar, continuarei ali, até que ele me permita estar do seu lado, mesmo ele insistindo para mim que voar ao meu é mais fácil do que mantermos os pés no chão.


- No fim ele nunca entenderá que um ninho precisa ser construído em um chão firme, e você nunca entenderá que precisa de alguém que voe ao seu lado. - Concluiu o sábio Coruja, antes que a velha Águia saísse por aquele buraco no tronco. - Seja livre para voar ao lado de alguém, mas saiba construir seu ninho no chão firme.

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