quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Sua Van vai demorar


História de Larissa Stefanelli

– Alguém espera a Van comigo? – Ninguém responde, droga! – Ah, tudo bem, eu vou embora de ônibus mesmo. Não estou com paciência alguma.

Claro, típico dia ruim, noite em que a aula termina mais cedo. Será que essa faculdade não compreende que moro em outra cidade? Que não tenho tempo pra perder na minha vida? Esse lugar, assim como as pessoas, acham que tudo está fácil aqui. Que essa garota que se mata em casa, luta no emprego e se irrita por querer as melhores notas na faculdade, não tem problemas. Deixe-me lhes dizer uma coisa: A MINHA VIDA É UM ENORME PROBLEMA!

– Vamos embora!

Meu amigo gay é engraçado. Não pelo fato de ele ser gay, mas por ele falar todas as coisas que eu nem pensei e já estava na ponta da língua. Aliás, algumas eu pensei, como por exemplo:

“Olha esse garoto de cabelo bagunçado.”

Eu já havia olhado, e notado a forma tímida como ele andava. Mas eu nunca dizia nada, não tinha tempo para essa coisa com garotos. Sempre que um deles aparecia em minha vida, logo vinha um alerta junto: “AFASTE-SE, ele vai te fazer chorar”. Então apertamos o passo e passamos o garoto juntos, até que meu amigo se despediu e eu continuei indo em direção à rodoviária, onde pegaria meu ônibus para casa.

– Ei, garota, você sabe onde as pessoas estão indo para beber?

Quem? Eu? Era comigo que ele falava?

Eu queria responder como uma garota normal responderia, mas claro, eu gaguejo, perco-me no que digo e sou melhor apenas apontando do que dizendo. Ele ri. Eu, bem, estava recolhendo meu rosto que caiu no chão. Por que sou assim tão desajeitada?

Para minha surpresa, a conversa não acabou ali, logo estávamos falando sobre outros assuntos. Eu, assumidamente futura publicitária tímida e ele o engenheiro que queria beber algumas cervejas com o pessoal. Sentado ao meu lado, dentro do ônibus, ele tornava todos os assuntos muito mais fáceis de serem discutidos. Ele e aquele cabelo desorganizado. E acreditem, ali, naquele momento, eu tinha certeza que tinha arrumado um enorme problema. E ele, bem, continuava sorrindo.


Três dias, muitas conversas, o primeiro filme juntos no cinema. Olhos nos olhos, até que se fechassem e então foi tudo sobre os lábios dele tocando os meus. Caramba, eu estava completamente apaixonada por esse cara. E eu tinha certeza que tudo daria errado, por mais que ele me contasse suas dores, as minhas sempre pareciam maiores. Eu já chorei tanto por gostar demais, doei-me tanto, e agora, quem eu era?

Eu era uma cilada, planejada nos detalhes, isso era o que ele sempre afirmava. Estava conhecendo os pais dele poucos dias depois. Após isso ele estava entre minha família. Caramba, eu só queria pegar um ônibus e acabar com aquele dia ruim. Ninguém me avisou sobre nada, eu poderia ter escolhido uma roupa melhor, prendido meu cabelo de outra forma. Ele, bem, eu gostaria que ele continuasse sempre com esse cabelo tão bagunçado e tão dele, cara eu estava muito ferrada.


Então ele veio, com aquele sorriso bobo, e aquele olhar de quem diz: “Sim, você está muito ferrada!”. Puxou-me para perto e começou com aquilo. Nunca esperei que o momento de dor ao lado desse cara fosse assim, ele tinha tudo para ser perfeito, mas é obvio que teria que me fazer perder a cabeça. E fez, durante muitos minutos, enquanto me fazia cócegas e eu nem conseguia respirar. Ele ria de mim, eu queria xingá-lo, socar aquele menino, bagunçar mais aquele cabelo. E ELE RIA. Droga!

– Eu te amo!

O que você está dizendo, garota? Estúpida, como deixa uma coisa dessa escapar?

Ele, agora sério. Pede para que eu repita. Mas o tal “amo” torna-se “adoro”. Ele sabe que estou mentindo, sabe porque olha em meus olhos. Assim como no primeiro dia ele sabia tudo sobre mim e meus medos. Eu era a garota dele, e sempre seria. Ele fez tudo o que eu não esperaria de alguém, e então o que era uma frase que escapou de minha boca, tornou-se o estopim para ele colocar em palavras tudo o que estava sentindo. E, sim, eu era uma cilada. Ele havia caído, e não sairia mais dali.


Eu só queria ter tido um dia normal, que nada de ruim acontecesse. Não queria esperar nada sozinha, queria minha casa e ir embora dali. O Amor se jogou na minha frente, eu tropecei, ele segurou minha mão. Ele, com todas as suas dores, sorriu para mim. Eu, com todas as minha dores, desajeitada, apontei uma direção. Ele era meu, eu era dele. Droga, nós sempre estivemos tão ferrados!


– Alguém espera a Van comigo?

Silêncio, ninguém responde. Meu celular toca, uma mensagem.

“Ei, daqui há alguns meses vamos nos casar. E eu te amo por isso.
Estou indo te buscar, ainda é cedo, sua van vai demorar.”


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