quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Último Dia

Era evidente que o fim se aproximava, talvez não pelos furacões que se espalhavam, ou por algum tremor de magnitude elevada que ocorreu em um lugar onde as placas tectônicas nem se encontraram, ou então pelos vulcões, que há muito adormecidos, resolveram despertar. O planeta gritava por socorro já há alguns anos, mas ninguém quis ouvir, exceto uma criança. Um garoto que resolveu, no auge de seus 12 anos, escrever uma carta. Que foi encontrada uma semana após a última data ter sido desmascarada como só mais um dia.


Oi, antes da última luz se apagar, resolvi colocar neste papel todas as mágoas que guardei comigo em tão pouco que eu pude viver. Não mencionarei meu nome, porque sei que estas mágoas não são somente minhas, mas também pode ser as suas. Tenho pouco idade para entender todo este problema que ocorre aqui, mas tenho muita coisa que precisa ser dita, e se não for hoje, neste último dia, nunca mais poderei dize-las. 

Nasci em uma época que comemoravam a chegada do novo milênio, que momento lindo e mágico deve ter sido para os meus pais, ter uma criança podendo viver as novidades que esta época traria, seria lindo imaginar. Porém com o tempo as coisas foram diferentes, sou uma criança bem educada, estudo em uma das melhores escolas, tenho ótimos amigos. Meu pai, que vejo muito pouco, tem um excelente emprego. Enquanto trabalha minha mãe gosta de passear e viajar com suas amigas, se dá férias 5 vezes ao ano, as vezes acho que ela vem em casa na mesma quantidade de vezes. Tenho uma irmã mais velha que costuma trazer alguns amigos para nossa casa. Também com este tamanho de lugar e vivendo, praticamente, sozinhos aqui o tempo todo, não tem como excluir a ideias de trazer o pessoal para ficar aqui.

Outro dia enquanto voltava da escola eu soube sobre a data que se aproximava, no momento não acreditei, deveria ser mais alguma brincadeira boba de meus amigos infantis. Talvez você esteja se perguntando como uma criança de Doze anos pode achar alguém infantil. Tenho certas responsabilidades que não me cabem, escolho minhas roupas, faço minha comida, cuido da minha irmã quase todos os dias em que ela acorda em meio a vômitos e drogas que usou na noite anterior. Nunca entendi o problema dela com estes narcóticos, consigo viver a vida sem precisar deles, é difícil toda a ausência que tenho de suportar, mas quando este conflitos querem me alcançar, procuro uma boa leitura para me distrair.

Voltando a falar sobre a tal data. Pesquisei um pouco sobre o assunto, claro que um comentário como este aguçaria a minha curiosidade, e então encontrei e li tudo o que podia sobre este assunto. Percebi que seria impossível na questão cientifica. Mas seria bem provável na mistica. Bom preferi não acreditar neste fim, gosto mais dos fatos como, realmente, são. E religiosidade nunca foi um fato para começar. Claro que mantenho minha religião e faço minhas preces. Noites de festas que rezo para que nenhum outro amigo da minha irmã entre no meu quarto e faça coisas das quais eu nem entendo ainda. Ou quando peço por um colo de mãe que nunca está presente, por um pai que entenda que não preciso mais de cartões e sim de sua companhia, ou para que toda aquela droga, que joguei fora no outro dia, não seja da minha irmã. Porém minha religiosidade resume-se a isto, pedir a alguém que proteja quem não posso proteger.

Existem tantas pessoas que não conseguem enxergar que o mundo já acabou há muito tempo, que vivemos em uma roda gigante parada, onde alguns se mantém presos la em cima e outros sempre abaixo. Você por acaso lembra da última eleição? Aquela que você votou no "Menos Pior" para a sua cidade, seu estado ou País? Você por acaso se lembra quando apontou o dedo para a mulher que roubou uma margarina, para sua filha que pediu por um "pão com manteiga", e agora passará anos presa enquanto o seu governante rouba todos os dias e continua em sua casa comendo seu Pão com Nutella ou o que for mais caro que isto? Ou da emissora que investiu milhões de reais para um jogador de futebol emagrecer, enquanto crianças pedem uma moeda para engordarem? É vocês nunca se lembram.

Talvez vocês se lembrem do último namorado da sua cantora preferida. Ou da música com letras degradantes que você cantou na noite anterior para alguma garota. Esta que na semana passada era a filha perfeita de seus pais, tinha tudo para se formar na faculdade, namorava e estava pronta para se casar. Mas abriu mão disso para ser mais uma "qualquer" se esfregando em algum cara que nem conhece. Talvez vocês se lembrem da camiseta legal que comprou ontem, que custava cinco vezes mais caro que a outra porque tinha um jacaré estampado no peito. Claro, jacarés são muito importantes, egos se alimentam deles. Vocês se lembram quando deram um último abraço em quem te ama? Sua família, seus amigos. Se lembram, por algum acaso, quando foi a última vez que disse a eles isto? A memória anda fraca.

O mundo acabou há muito tempo atrás. Numa época em que existia respeito, acabou quando o amor passou a ser secundário e dinheiro primário na vida de seres desumanos. Tudo é comprado, eu sei. Minha mãe compra sua felicidade enquanto vende o seu tempo com a família, minha irmã compra drogas, meu pai  compra o que eu quiser. Enquanto eu continuo aqui, procurando uma maneira de não comprar sentimentos, uma maneira de comprar uma solução para toda este vazio que minha vida tem se tornado. O mundo acabou quando os governantes desejaram ser merdas que detém o poder, quando os pais resolveram jogar seus filhos de janelas. Acabou quando o marido desejou muito mais além da sua esposa, quando a mãe deixou seu filho aos cuidados de uma lata de lixo. Acabou quando um idiota que se intitula Humano, prendeu seu animal com uma corda no carro e saiu correndo na estrada enquanto ele era arrastado pelo caminho.

Minhas lágrimas aqui hoje neste último dia, não são por tristeza, são por alegria de saber que estou indo para longe de tudo isto. Alegria por saber que amanhã mais nada disso me alcançará. Não tenham medo do amanhã quando as luzes se apagarem, ou quando a terra começar a tremer. Tenham medo do hoje, enquanto suas vidas têm um preço e podem ser passadas no cartão de crédito. Já são três horas da manhã e não consegui sentir nenhum tremor, as luzes continuam acesas. Mas como eu já disse, para mim este será o último dia. E se ainda restar sobreviventes no amanhã, espero que encontre isto. Sinto pena de vocês.

As pílulas agora começam a fazer efeito, minha vista começou a embaçar...

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1 Comentários:

Às 20 de dezembro de 2012 às 20:54 , Blogger Kleberson Marcondes disse...

Incrível, esse último momento, o de colocar os pingos nos "is" e falar, dizer o que sente, sarar as feridas da alma, falando, externando tudo aquilo que de um modo ou de outro, nos fez silenciar, muitas vezes nos calando.
Dizer das ausências; nossas e dos outros. Das vezes que precisávamos que alguém simplesmente fosse para nós, tudo aquilo que disponibilizamos a ser. Um pai na hora certa, mãe no momento oportuno, irmãos na hora exata, enfim, a família em todos os seus instantes; os amigos em suas variedades; o ser humano como salvador de algum momento nosso, de carência, de solidão, de dor, de angústia... Acho que o fim fora anunciado de maneira errada; falaram do caos, da bagunça, mas esqueceram de falar que seriam os nossos caos, as nossas bagunças, os nosso momentos de ajeitar as gavetinhas de nossa memória. O mundo já acabou, você disse e ainda mais, a muito tempo, e nós humanos não percebemos que acabou, que precisamos recomeçar, recriar, se reinventar, do mais, se permitir. Deixar para lá, do lado de fora o que não interessa mais, respirar novos ares, amar outras coisas, novas pessoas, se permitir. Aproximar-se, alegrar-se, sonhar mais e ir atrás de todos os sonhos, se permitir...
Obrigado pela prosa. A leitura, acho que venho no momento da minha vida mais exato, no "destruir para criar..." Obrigado! Que as palavras, possa colocar a par do que a vida pode nos oferecer, do mais, aproveitar o último dia para se permitir...

 

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