quarta-feira, 5 de junho de 2013

Espelhos

Nem ir, nem vir, apenas observar. Ele sorri e percebe o reflexo do sorriso em resposta. Era apenas a própria imagem diante de si mesmo. Mas ele permaneceu assim, sem ir, nem vir, apenas a observar.


Tinha aquele cara que se apaixonava todo dia mesmo sem se apaixonar. Havia outro cara, aquele que havia desistido de acreditar nessas coisas bobas. Tinha o cara impaciente, que não queria mais esperar todo o desenrolar da história. Tinha o cara que chorava, o cara que sorria, o cara que brigava e o cara que descansava. E diante de todos eles tinha o cara que observava. É sobre ele que falaremos.

Um fato em comum sobre estes caras: Eles moravam todos dentro da mesma caixa de vidro que desenhava a imagem da mesma face todos os dias. Um objeto mágico que reflete uma imagem igual a que é posta a sua frente, porém diferente aos olhos que a enxerga.

A história sobre eles começa com um céu azul claro, limpo, porém com algumas nuvens se atrevendo a entrar no seu campo de visão. O sol se mostra forte, mas não queima, apenas acende o dia. Mas para aquele cara tudo tinha um gosto mais saboroso. O toque suave dos raios em sua pele o fazia dançar, enquanto olhava para o alto e se via refletido ali. É fácil perceber quando alguém está apaixonado por algo e/ou alguém. O Sorriso passa a ser brilhante, a imagem de sua face é limpa, sem nuvens que se atrevam a invadi-la. 

Num segundo momento conheceríamos outro destes caras. Os olhos pareciam pesados, as pálpebras tentavam se juntar enquanto uma força as empurrava em lados opostos. Era uma pequena batalha que travava há alguns dias. Era só mais uma história que acabou com outro "felizes para sempre as avessas". O cara que desistiu não olhou um espelho quando se levantou da cama, mas viu o seu reflexo quando lhe disseram algo sobre toda essa merda incessante que é o amor.

O segundo cara logo foi refletido diretamente no terceiro membro de nossa história. Sim, um diferente reflexo em um mesmo espelho, este que ele pôde observar em uma manhã cinzenta. Viu sua impaciência gritar enquanto o relógio lhe alertava sobre um novo dia. Olhou para o celular, claro que não havia mensagens, apenas o vazio e a certeza que toda estas histórias que as pessoas contam sobre o "felizes para sempre" não passava de um reflexo bobo de criança que não entende nada sobre a vida.

Uma lágrima foi o que refletiu desta vez. Neste momento estamos diante do cara que chorava. Não há outra forma de você imaginar como seria ele. Um rosto apreensivo, algumas lágrimas em olhos borrados, enquanto se esconde em algum canto em posição fetal. Mas para entendermos melhor este reflexo, prefiro contar-lhes sobre o gosto. Era salgado, lágrimas são salgadas. Mas o sabor era intensificado, como se a sua língua se recusasse a ser exposta ao mesmo, mas você a obriga, você precisa devorar toda essa angústia. Então vira um confronto entre os sabores que seu paladar oferece e o que você define ser bom para o momento. Mas após mastigar todo este alimento a história termina, então surge um novo cara em seu reflexo, aquele, que mesmo por mentira, medo ou qualquer outro motivo, sorri.

Os cacos do espelho estavam lançados sobre a pia, alguns caiam naquele chão gelado, o mesmo que abrigava o sexto cara que conheceríamos. Em suas mãos estão algumas manchas de um sangue, que escorre enquanto o mesmo tenta juntar todos os cacos que espalhou graças ao golpe que ofereceu a imagem que estava posta diante de si mesmo. Não queria ver refletido ali a imagem de alguém que está cansado, alguém que chora e sorri, nem mesmo de alguém que acredita, queria apenas conhecer outro cara, aquele que descansava.

Conhecemos muitos caras depois de todos estes momentos. E diante deles sempre esteve aquele que observava. As vezes de perto, outras vezes de longe. O fato é que esse se manteve presente durante todo o percurso. Era difícil querer entender ou acreditar, as imagens refletidas em um mesmo espelho eram tão iguais e tão diferentes. Maldita caixa de vidro que abriga tantos seres, estes que nunca vimos antes, mas sabemos que estão ali há muito tempo. 

Num último momento conheceríamos um outro cara. O cara que observa esteve diante de todos, porém ainda não havia se apresentado. Talvez fosse o mais tímido entre eles, aquele que fica com as bochechas rosadas quando é posto diante de si mesmo. Este não morava em uma caixa de vidro, morava em outro tipo de caixa, era difícil de explicá-la, mas talvez eu posso dizer.

Eram pequenas e redondas, meio úmidas, porém quentes. Eram azuis, sim as caixas eram azuis. Não me lembro com tanta certeza o momento exato, mas quando aconteceu a bochecha rosada do cara que observava se queimou. Era um lindo par de olhos, composta pela face que refletia o sorriso. Refletia também no céu azul claro, as nuvens não se atreveram a se mover. O cara que observava já havia conhecido esta história, mas não havia se apresentado diante dela. Queria correr, se esconder, já conhecia a todos que ali habitavam, não precisava novamente presenciá-los. Mas suas pernas ficaram fracas, e por mais estranho que isso possa parecer, essas caixas azuis eram um bom lugar onde estar.

Ele apenas sorri e percebe o reflexo do sorriso em resposta. Era apenas a própria imagem diante de si mesmo. Mas ela permaneceu assim, sem ir, nem vir, apenas a observar.

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